N. 65 – 2020/2 – Teologia em Tempos de Pandemia

APRESENTAÇÃO

A vida é feita de surpresas. Se assim não fosse, não seria vida. O que não muda, aquilo Que permanece inalterado pelos séculos dos séculos, é porque está morto. A imutabilidade é a morte. Viver é a capacidade de responder às mudanças que acontecem em nós mesmos e ao nosso redor. Desde a transformação das células que compõem os tecidos dos corpos e nos fazem caminhar rumo ao envelhecimento e à morte, até as grandes mudanças que transformam os ecossistemas locais e regionais e o próprio sistema Gaia, tudo está sempre em mudança. Enquanto humanos cientes da temporalidade e finitude, deveríamos estar preparados para viver estas transformações.

Mas nem sempre é assim. Principalmente quando as mudanças são rápidas e totais. A prova disso é a descomunal mudança vivida pela humanidade na crise da Covid19. Em poucas semanas, o mundo, literalmente, parou. No início foi no Oriente, depois na Europa, em seguida os Estados Unidos e, na continuidade, a América Latina, o Brasil incluído. As fábricas pararam, o comércio fechou, as escolas e universidades cessaram as atividades, as igrejas suspenderam os cultos, atividades esportivas canceladas… Só os hospitais, os cemitérios, os meios de comunicação e as redes sociais continuaram ativas.

Em poucos meses, no entanto, fomos construindo respostas novas a essa inusitada situação. Novas formas de produzir, de comerciar, de estudar, de rezar, de se divertir e de comunicar. E também novas formas de cuidar – ou descuidar – das vítimas da pandemia, tanto as que se vão como as que sobrevivem. Enquanto uns sonham com a “volta ao normal” pós-pandemia, outros sonham com um “novo normal”.

Mas a epidemia ainda não terminou. E não terminará tão brevemente. Talvez – esperamos que não! – dure mais do que desejamos e esse processo de crise prolongada nos exija e obrigue a radicalizarmos as transformações em curso.
Enquanto comunidade teológica, também fomos obrigados a mudar. Tivemos que reaprender a fazer teologia com outras ferramentas didáticas que já vínhamos ensaiando, mas que agora fomos obrigados a assumi-las como parte do quotidiano.

Mais do que ferramentas, no entanto, a pandemia nos impulsionou a pensar a fragilidade do ser humano e o sentido da vida e da morte que, no vírus invisível que circula sorrateiramente em todos os espaços, se fazem presentes e nos instam a dar-lhe sentido.

O presente número de Cadernos da ESTEF traz presente uma amostra deste esforço teológico que se tornou público em dois eventos promovidos por nossa escola. O primeiro, foi a série de “lives” Teologia em Tempos de Pandemia realizado no primeiro semestre. O segundo evento, foi o tradicional Simpósio Franciscano de Teologia realizado no segundo semestre.

Em consequência do primeiro evento, temos aqui dois textos. O primeiro, na sessão temática, escrito por Frei Gilmar Zampieri, nos oferece um conjunto de lições da pandemia. Ela é uma pedagoga que nos toma pela mão e nos conduz em direção
àquilo que podemos aprender e ser depois de tanta dor e sofrimento. Se a epidemia é um evento tão significativo, é preciso com ele aprender para que não repitamos os erros que potencializaram sua capacidade letal e caminhar em direção a uma humanidade que não mais se permita ser causa e vetor de vírus mortais. O autor nos apresenta 10 lições. Sua leitura, com certeza, fará com que cada um de nós agregue outras e assim todos nos coloquemos nesse processo pedagógico.

No mesmo sentido, fruto ainda deste primeiro evento, é o texto da terceira sessão, de Dom Carlos Rômulo, bispo da Diocese de Montenegro, RS. A partir do Evangelho e do Magistério da Igreja, ele busca o sentido eclesiológico e pastoral deste momento. Em breves tópicos, elenca possíveis passos a darmos para, que na e em consequência à pandemia, possamos continuar sendo uma Igreja em saída.

Do Simpósio Franciscano de Teologia, temos três textos. O primeiro, na sessão temática, Frei Luiz Carlos Susin nos oferece uma abordagem antropológica. Assim como todas as grandes pandemias que assolaram a humanidade – a “Peste Negra” medieval e, mais recentemente, a AIDS – são experiências que medem a capacidade e o sentido de convivência social. Ao ler o texto, somos questionados sobre o modo como cada um e a sociedade, como um todo, reagem diante das vítimas do coronavírus.
Os outros dois textos que compõem a sessão central, trazem o aporte franciscano à esta reflexão. Os freis João Carlos Karling e Marino Rhoden, com o olhar da Psicologia e da Teologia, buscam na experiência espiritual de Francisco de Assis elementos para que nós, hoje, possamos viver à luz de Deus este momento tão difícil e desafiador.

Luís Evandro Hinrichsen, a partir da categoria do cuidado, nos convida a visualizar o paralelo entre o encontro de Francisco de Assis com os leprosos e a parábola do Bom Samaritano. Episódios que, cada um com sua força e peculiaridade, nos convidam a cuidar daqueles e daquelas que, por incapacidade ou incúria de quem teria a responsabilidade para enfrentar a pandemia, são jogados para a morte anônima dos
números que a cada dia saltam aos nossos olhos nas telas das TVs ou de nossos telefones digitais.

Por fim, para bem terminar e nos provocar a seguir adiante, temos, na terceira sessão, o texto de Frei Tiago Santos da Silva. Ele nos convida a confiar na presença do Espírito de Deus mesmo numa situação em que tantas vezes somos tentados a não ver a Sua presença. O Espírito, conforme o testemunho bíblico e a definição do Concílio de Constantinopla, é Aquele que dá a vida. Ele é o Vivificador. Neste momento em que a morte parece ser a soberana, necessário é confiar-nos e entregar-nos Àquele que é a fonte de vida e poderá nos conduzir na busca de um “novo normal” em que a vida das pessoas esteja acima da economia e de outros interesses.

A todos e a todas, uma boa leitura.
Vanildo Luiz Zugno
Redator

SUMÁRIO

PANDEMIA COMO METÁFORA: AMBIVALÊNCIA ANTROPOLÓGICA E QUESTÃO PASTORAL E TEOLÓGICA – Luiz Carlos Susin

DEZ LIÇÕES DA PANDEMIA – Gilmar Zampieri

A ESPIRITUALIDAE FRANCISCANA NO CUIDADO DA VIDA – Marino Pedro Rhoden e João Carlos Karling

SÃO FRANCISCO E O CUIDADO: O QUE ANTES ME PARECIA AMARGO SE ME CONVERTEU EM DOÇURA DA ALMA E DO CORPO – Luís Evandro Hinrichsen

PASTORAL EM TEMPOS DE PANDEMIA – Carlos Rômulo Gonçalves e Silva

O ESPÍRITO SANTO ESTÁ AQUI E ALI, MAS ESTÁ SEMPRE ALÉM – Tiago Santos da Silva

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